O DISCO E SEU CONTEÚDO

    Este disco é apenas uma pálida mostra das mais de sessenta horas de material gravado na última pesquisa feita no Ilê Agboulá. Ordenação das faixas procura dar uma idéia esquematizada da sequência de uma das festas anuais da comunidade-terreiro. Depois dos ritos propiciatórios e da invocação a Exu, sem a qual nenhuma cerimônia ou nenhum ritual devem começar, iniam-se as saudações em homenagem a Onilê e aos Egun Agbá. Mais tarde, são invocados os Babá, os Ancestrais, que materializados, dançarão, puxarão cantigas, darão conselhos e "carões".

    Neste registro, é interessante observar o seguinte:

    O som, como resultado de interação dinâmica, condutor de força vital (Axé), aparece com todo o seu conteúdo simbólico nas vozes dos cantores e nos instrumentos rituais: agogô, atabaques - rum, rumpi, lé - e xequeré.

    Todos os instrumentos são consagrados, preparados para servirem à sua função. Assim, eles constituem excelentes invocadores das entidades sobrenaturais, sendo eficazes indutores de ação, promovendo a comunicação entre o mundo dos vivos e dos ancestrais.

    Importante, também, é registrar que, para os africanos e seus descendentes a música está presente em todos os momentos da vida, havendo sempre um rítmo, uma cantiga, uma emissão de voz apropriada para cada situação. Complexo como seu sistema cultural, o rítmo dos negros é rico, vigoroso, com várias estruturas que se superpõem, difícil às vezes de ser compreendido por ouvidos não habituados.

    LADO A

    1. Iba Orixá Iba Onilê

    Cantiga da abertura saudando Onilê. Dá início a todos os rituais de Egun. No texto cantado, os fiéis homenageiam todos os ancestrais, representados por seu patrono Onilê, o dono da terra. E os brados que se ouvem ao fundo são saudações típicas dos Ojé.

    2. Ossanyin

    Aqui, uma "fiada" de três cantigas em louvor de Ossanyin, o patrono das folhas rituais, sem as quais nada se realiza.

    3. Egungun Kigbalé

    Invocação dos Egungun. Através desta cantiga, os ancestrais são chamados a se mostrar, materializando-se no mundo dos vivos.

    4. Ewo Nilê

    Toque de alerta: "Preparem-se! Todos prestem muita atenção pois algo muito importante vai acontecer! Babá vai chegar!"

    Ao fundo, ouvem-se os estalidos dos Ixan dos Ojé batidos no chão, chamando e conduzindo o Egun para vir se confraternizar com sua descendência.

    5. Orô Abi Orô

    Aqui, a cantiga invoca e explica o próprio significado do rito (Orô). A sua realização, reafirmando os laços comunitários, traz felicidade, coisas boas e um grande bem-estar para a comunidade.

    6. Onilê Mô Bodô Ilê

    Babá está chegando. Então, se anuncia - ele próprio comanda a cantiga - pedindo licença aos da casa para vir se juntar aos seus descendentes.

    7. Nilê Wá Alagbê

    Já na terra, dançando e abençoando seus netos, o Babá Egun tiras algumas cantigas, inclusive esta, secundada por todos, para homenagear os músicos rituais, os Alagbê da Casa.

    8. Agboulá Agô Nilê

    "Quando Agboulá está na Terra, tudo se enche de alegria". Aqui a comunidade canta em homenagem ao grande patrono do Ilê: o venerável Babá Agboula.

    9. Ó Xé Wará Wará

    10. Obá Mi Silê

    Estas duas cantigas são em homenagem a Xangô, ancestral da dinastia real de Oyó, muito relacionado com a adoração aos Egun, por ser o orixá de muitos dos antepassados da comunidade.

    LADO B

    1. Saudação a Babá Olukotun

    Saudação a um dos ancestrais do povo nagô, cujo assentamento foi trazido da África para a Bahia por Marcos-o-Velho e seu filho. A saudação é feita por um dos mais antigos sacerdotes da casa, o Ojé Agbá Sr. Sanchinho, iniciado ainda no terreiro de Tio Marcos.

    2. Loni Ojô Odun

    3. Agogô Mi Fô

    Com um Babá Agbá ainda na sala, dançando entre os seus, os fiéis entoam estas cantigas de regozijo pelo aniversário de Babá Olukotun. Lá fora, os foguetes explodem num clima de pura alegria.

    4. Kiyê Kiyê Bô Iroko

    Homenagem aos Egun de homens que em vida foram filhos de Xangô. Babá dança, estreitando os laços com os participantes.

    5. Orixá Vá Iyê

    Cantiga convidando todas as entidades sobrenaturais, todos os habitantes do Ará Orun (aqui agrupados sob o nome genérico de Orixá) para que venham dançar.

    6. Afulelê Adé

    Ao fundo os estalidos do Ixan batendo no chão para controlar os Egungun que ainda estão no salão, os fiéis cantam em homenagem a Oyá Igbalé, Iyá Messsan Orun (Iansã Balé), Senhora dos Nove Espaços do Orun, rainha e mãe dos Egun, dominadoraabsoluta dos espíritos dos mortos.

    7. Omi Ro

    Cantiga de grande fundamento, que evoca toda a ancestralidade africana no Brasil. Os fiéis cantam de joelhos, numa atitude de profundo respeito.

    8. Alujá

    Xangô simboliza dinastia. Nesse sentido, ele é a imagem coletiva dos antepassados. Então, Xangô, como orixá, e os Egungun, como ancestrais, representam dois níveis de um mesmo símbolo. E mais: tanto o culto dos Egun como o culto a Xangô são originários da mesma região - Oyó, a terra mãe dos nagôs. Por isto, nas cerimônias do Ilê Agboulá se toca e canta muito e com entusiamo para xangô. E por isto, o disco se encerra com os atabaques solando um alujá, o rítmo predileto do Alafín de Oyó, o rei de Oyó, cabeça de linhagem, Senhor do Trovão.

    TEXTO DE : JUANA ELBEIN DOS SANTOS E NEI LOPES